Em meus tempos de criança, vivi mergulhada no chamado “mundo do faz de conta”. Se este lugar é real ou uma fantasia, cada um decidirá. O que sei, é que pela voz de minha mãe, pelas letras e imagens dos livros e as visitas noturnas de João Pestana que ora abria seu guarda-chuva negro ora o multicor, eu me transportava às terras maravilhosas que encantaram e encantam minha alma. Mas a viagem também se fazia pelos caminhos da dança, que livre se piruetava e saltitava das poltronas ao chão da sala transformado em florestas, palácios, terras mágicas habitadas por príncipes, princesas e outros seres vindos ao mundo no mistério da noite. O sol e a luz do dia também traziam seus encantos surgidos nas brincadeiras, estes tesouros que semeados em meu ser de menina, até hoje dão flores e frutos.
Imersa nesta atmosfera, já na adolescência o teatro se fez presente: interpretando corifeu na leitura dramática de “Bidermann e os Incendiários”, tive a emoção de pisar o palco pela primeira vez; com amigos montei uma oficina de artes integradas para crianças, encenando “A Roupa nova do Rei”; na escola Macunaíma e no Colégio Equipe tive aulas de interpretação. Após um desvio pela faculdade de Arquitetura a rota foi retomada com a licenciatura em Artes Cênicas na UNB e a atuação profissional em teatro adulto e infantil, como “As Troianas”, “Os Pequenos Burgueses”, “Auto da Compadecida”, “No Natal a gente Vem te Buscar”, “A Arara Encantada” (teatro e vídeo), “Estórias do Arco da Velha”, entre outros. Da interpretação, o campo se abriu para experiências como figurinista, assistência de direção, direção de corpo, produção. A atividade pedagógica também se fez presente, em cursos, festivais e na Faculdade de Artes de Brasília, onde lecionei expressão corporal e interpretação nos cursos de licenciatura e bacharelado.
A instância da memória e da cultura, outro aspecto pulsante em meu ser, se apresentou no trabalho em projetos de referenciamento da cultura brasileira e de interação entre cultura e educação como funcionária do Centro Nacional de Referência Cultural e Fundação Nacional pró- Memória, de 1979 a 1989.
Aprofundar os estudos em teatro e trabalhos corporais para o ator, foi o motivo que me trouxe de volta a São Paulo, no ano de 1990. Na minha cidade natal cursei a especialização em Teatro e Dança na ECA-USP e a formação em dança contemporânea na Oficina Oswald de Andrade; fiz aulas de dança e técnicas corporais como Laban, eutonia e movimento consciente; fui assistente de Rainner Vianna; participei do projeto “O Jogo Teatral e a Peça Didática de Brecht” de Ingrid Koudela, na Eca Usp; associei- me a Neide Neves, Sandra Lucia Gomes e Virginia Costábile, na Oficina do Movimento, onde dei aulas de dança; trabalhei no laboratório de redação do Museu Lasar Segall, desenvolvendo a relação entre oralidade e escrita e entre encenação e o texto teatral
Por estes caminhos, aparentemente distintos e às vezes conflitantes, eis que em 1993 nasceu o primeiro repertório de histórias, levando- me à descoberta da vocação de minha alma. Exonerando-me do serviço público e saindo da sociedade da Oficina do Movimento passei a dedicar-me integralmente a arte milenar da narrativa encontrando e encontrando-me neste ser que se mobiliza pela força da palavra e do gesto, que entretece a memória e o imaginário e que é responsável pela guarda e transmissão do saber de sua comunidade ou de seu povo: o contador de histórias. Com o nome de Peregrina de Encantares, que me foi dado pelas fadas de minha infância, sigo pela trilha de minha vida a tecer a trama do presente com o fio mágico das histórias, brincadeiras e danças de roda de outrora.